Era uma calma noite de setembro. As
árvores e seus galhos estavam perpétuos admirando a lua cheia, –
assim como eu – que no céu resolveu aparecer. Quietas e
assustadoras, sem nenhum movimento ou ruído vindo das largas folhas
esverdeadas. Não ventava, estava abafado demais para isso. Não
havia núvens no céu, e nem estrelas – apesar d'eu saber que elas
estavam lá, mesmo eu não podendo vê-las – nem mesmo aquela que
diziam nunca parar de esbanjar a sua luz. O brilho da lua era
demasiadamente intenso, que as luzes da rua se tornavam pequenas
faíscas à luz do dia.
Sentei-me no para-peito, com as pernas
para fora da janela. Não tinha receio de cair, não estava com medo
da altura do segundo andar para a grama lá embaixo. Estava firme
demais, segura demais. Certifico-me mentalmente que nenhuma outra
alma estranha esteja praticando o mesmo ato que o meu, em plena
madrugada, mas caio em pensamento que ninguém é estúpido
suficiente para fazer o que eu faço. A atmosfera ainda mantia meu
corpo na Terra, mas eu garanto que me senti flutuar, tirar os pés
não só do chão, mas de tudo. Me desconectar do mundo por alguns
minutos.
Estava com os olhos fechados e por um
breve segundo vi um rosto embaçado surgindo na minha mente.
Profundamente perturbador a face feminina que a minha cabeça
configurou, e logo em seguida, desconfigurou-se como uma pedra sendo
atirada no reflexo d'água de alguém. Ela tinha a pele um pouco mais
escura que a minha, cabelos negros, sobrancelhas espessas. Não
reparei no resto, exceto os seus olhos. Não conseguia os vê-lo. Ela
não os tinha. Era difícil de dizer o que aquela moça sentia, ou se
ao menos sentia algo. Era difícil decifrar um sentimento naquele
meio-rosto que apareceu por instantes na minha cabeça.
Percebi que é difícil “ler” o
pensamento ou a expressão facial de alguém que não usa os olhos –
ou no caso dela, que não tem olhos. Descobri que além de
lágrimas, dos olhos também podem cair palavras, frases inteiras. E
que eles não são somente as janelas da alma, mas também do
coração. Percebi que muitas vezes, os olhos dizem mais coisas do
que lábios em constante movimento.
Quem era a moça? Não sei. Nunca
saberei. Mas foi um alguém especial, e se eu não esteja errada, ela
estava implorando por ajuda. E seja lá quem a moça-sem-olhos for,
eu sou eternamente grata por ter me feito enxergar que sem os olhos
somos apenas carne, ossos e veias. Que os lábios nunca serão páreos
de falar sem ao menos se mexer. De se expressar tão espontaneamente
como os olhos fazem.
Lara Osório, Janelas entreabertas
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