29.6.12

Nostalgia 3#

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Era uma calma noite de setembro. As árvores e seus galhos estavam perpétuos admirando a lua cheia, – assim como eu – que no céu resolveu aparecer. Quietas e assustadoras, sem nenhum movimento ou ruído vindo das largas folhas esverdeadas. Não ventava, estava abafado demais para isso. Não havia núvens no céu, e nem estrelas – apesar d'eu saber que elas estavam lá, mesmo eu não podendo vê-las – nem mesmo aquela que diziam nunca parar de esbanjar a sua luz. O brilho da lua era demasiadamente intenso, que as luzes da rua se tornavam pequenas faíscas à luz do dia.
Sentei-me no para-peito, com as pernas para fora da janela. Não tinha receio de cair, não estava com medo da altura do segundo andar para a grama lá embaixo. Estava firme demais, segura demais. Certifico-me mentalmente que nenhuma outra alma estranha esteja praticando o mesmo ato que o meu, em plena madrugada, mas caio em pensamento que ninguém é estúpido suficiente para fazer o que eu faço. A atmosfera ainda mantia meu corpo na Terra, mas eu garanto que me senti flutuar, tirar os pés não só do chão, mas de tudo. Me desconectar do mundo por alguns minutos.
Estava com os olhos fechados e por um breve segundo vi um rosto embaçado surgindo na minha mente. Profundamente perturbador a face feminina que a minha cabeça configurou, e logo em seguida, desconfigurou-se como uma pedra sendo atirada no reflexo d'água de alguém. Ela tinha a pele um pouco mais escura que a minha, cabelos negros, sobrancelhas espessas. Não reparei no resto, exceto os seus olhos. Não conseguia os vê-lo. Ela não os tinha. Era difícil de dizer o que aquela moça sentia, ou se ao menos sentia algo. Era difícil decifrar um sentimento naquele meio-rosto que apareceu por instantes na minha cabeça.
Percebi que é difícil “ler” o pensamento ou a expressão facial de alguém que não usa os olhos – ou no caso dela, que não tem olhos. Descobri que além de lágrimas, dos olhos também podem cair palavras, frases inteiras. E que eles não são somente as janelas da alma, mas também do coração. Percebi que muitas vezes, os olhos dizem mais coisas do que lábios em constante movimento.
Quem era a moça? Não sei. Nunca saberei. Mas foi um alguém especial, e se eu não esteja errada, ela estava implorando por ajuda. E seja lá quem a moça-sem-olhos for, eu sou eternamente grata por ter me feito enxergar que sem os olhos somos apenas carne, ossos e veias. Que os lábios nunca serão páreos de falar sem ao menos se mexer. De se expressar tão espontaneamente como os olhos fazem.


Lara Osório, Janelas entreabertas

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