
"O que quero dizer é: veja além da capa, das folhas, das linhas, das letras, da pontuação, das entrelinhas. Ou analogias outras. Veja superfície adentro, disseque, destile, desentranhe, revire, cave, cavuque, cutuque, rasgue, fira, transfira, transponha, apanhe, aponte a ponta (do lápis, da lança, da pena da mente) e desbrave. Porque eu, a moça das fitas, o rapaz das pipas, o senhor da rabeca, o mal amado poeta e todas as pessoas com mundos inteiros dentro dos olhos temos muito mais a oferecer do que mostram nossos corpos e nossas artes. Não é essa sublimidade toda, mas a nuca dói, o peito aperta, os dedos indicam, a compressa não ajuda, e eu percebo que você não vê. Fala tão bonito, postura tão bonita, cílios tão erguidos (e bonitos), dizendo-se homem. Com H e sapiens. Mas você não vê que o mundo é muito mais que tuas três frágeis dimensões absorvidas pelos cinco (só cinco!) sentidos. Sendo clara: Veja. Sinta essas histórias, capte essas transcendências, não leia as palavras como palavras e só: dê aos vocábulos (estes mesmos de agora) novos significados. Dê às aspas. Aos parênteses. Às vírgulas. E a este ponto final (que é quase o cansaço da minha prece de que você abra, por tudo o que há de sagrado e de desgraça, essa vista comedida).
(Mas eu acho que você nem ao menos lê estas linhas até o final)."
Claudia Calado
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